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  • Foto do escritorMarcelo F Carmo

Um afogado não quadrado


Foi numa ilha distante e ilocalizável, próximo ao lendário e enigmático Triângulo das Bermudas que se passou esta história. Um lugar peculiar, todos seus habitantes eram paralelogramos e triângulos, um mundo em duas dimensões. Ilhas Quadradas, tudo que existia no lugar obedecia o modelo quadrangular, das moradias, instrumentos e até mesmo os habitantes — com exceção de alguns raros triângulos equiláteros, isósceles e escalenos. Ali nasciam, cresciam e se casavam com seus pares, eram poucos os jovens quadriláteros e triângulos que arriscavam um futuro longe das Ilhas Quadradas. O mundo, mesmo em espécies geométricas, segue estranho e óstio aos diferentes. Os habitantes da ilha eram tidos como quadradões ou mesmo intrusos pontudos. Uma hora ou outra quadrados, retângulos e triângulos constituíam novas famílias e a ilha tinha sempre um grande número de pequeninos ‘quadrianças’ e ‘triânguris’. Os adultos viviam daquilo que o mar oferecia, peixes losangos e sardinhas quadradinhas, até à diversidade marinha obedecia padrões geométricos da espécie.

Certa manhã enquanto as crianças brincavam na praia viram um vulto flutuando na água, quando o vulto se aproximou ficaram espantados e alguns foram chamar seus pais, era um ser totalmente fora dos padrões da ilha, era um círculo rechonchudo. Tiraram o corpo estranho da água e levaram para à casa mais próxima, foi aí o primeiro transtorno, como passar aquele corpo circular por uma porta retangular, depois de idas e vindas perceberam que entrava na diagonal. O defunto foi colocado numa mesa — também retangular — ficou com às beiradas pra fora e continuou causando espanto aos quadriláteros e triangulares nativos.

Diante daquela forma complexa os estudiosos da ilha foram buscar nos livros retangulares de sua biblioteca retangular evidências de objetos circulares. Foi num antigo manuscrito de Arquimedes que encontraram citações do número constante famosíssimo quando trata-se de formas circulares: o até então — para a Ilha Quadrada — desconhecido ‘número pi’, desta pesquisa chegaram ao comprimento da circunferência e também área do círculo — que muito ajudaria no sepultamento do afogado — que deriva de um triângulo, para surpresa geral, decompondo-se um círculo em camadas chega-se num triângulo isósceles em que se calcula à área da metade de um retângulo, ou seja: base. altura dividido por dois. Mesmo tão diferentes — aparentemente — existem conexões em suas almas geométricas.

Fizeram o sepultamento daquele corpo circular, mas depois dessa experiência à Ilha Quadrada ficou menos quadrada, depois do número pi nada jamais voltou ao normal.


Marcelo F cARMO



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