No meus voos noturnos tenho alcançado lugares inimagináveis, mas o que é inimaginável para à literatura? Absolutamente nada, então darei minha contribuição. Estava voando por fora da atmosfera, fato difÃcil de acreditar, mas deixemos este detalhe fÃsico no armário, pois quem ou o que encontrei lá valerá à leitura. Pois não é que vagando pelos devaneios intergaláticos esta noite ouvi uma voz que vinha dum conglomerado parecendo poeira cósmica em movimento, logo que me viu pegou-me pelos pés e foi me arrastando e falando:
- Me perdoe, pois eu não paro!
- Quem é você ou melhor, o que é você?
- Vocês me conceberam um nome: Tempo. Mas devo esclarecer que o tempo, de quem vocês são e sempre serão escravos, o tempo não é tempo, é apenas movimento. Tudo isso que você sabe é à maneira que os egÃpcios, em um momento de inspiração, criaram para interpretarem minhas periodicidades e assim contar vossas existências em comparação com meu movimento, movimento este que é metódico e preciso há bilhões de anos. Por isso quero lhe confessar uma coisa: parem de supor que se pode avançar no tempo ou regredir, pois tratando do movimento dos astros — Terra, Sol e Lua — vocês são de uma insignificância tamanha! Não mudamos nosso vetor supremo por nada. Quero ser o mais didático possÃvel; imagine que você viva num carrossel, pra você e os cavalinhos o movimento do sistema é imperceptÃvel, você não tem um olhar de fora, quem vê o tempo como ele é de verdade, movimento, é o controlador do brinquedo, o que na vida real talvez não exista.
Fiquei atônito ante tal revelação, um ou dois minutos de silêncio — rotação e translação é claro, pois olhei no meu pulso esquerdo e lembrei que durmo sem relógio — as palavras escaparam sem muita reflexão:
- Puts tempo, nem sei se posso lhe chamar assim! Na verdade já não tenho mais essa encanação de regredir ou avançar no seu ‘movitempo’ o que me encana mesmo é que seu movimento não parece uniforme, quando as coisas não estão bem pra mim, parece desacelerar e quando estou bem — ilusão momentânea — você acelera muitÃssimo.
Olhou pra mim meio de soslaio e:
- Desculpe minha insensibilidade ao ouvir seus lamentos, é que é de uma presunção tão grande você dar tanta importância a si mesmo, ante a um universo desta magnitude, que não consigo me segurar. Mas vou tentar, tudo isso é coisa de sua cabeça, a relatividade do tempo é uma interpretação minha que nasceu de brilhantes mentes humanas, criaram para lidar melhor comigo, mas eu sigo soberano, todos os dias — parte de meu movimento que vocês nomearam assim — minha meta é cumprir meus movimentos de rotação e translação aqui no planeta em concordância com o Sol e nada mais. Lembre-se do carrossel, o movimento não aumenta ou diminui baseado no gozo ou sofrimento dos cavalinhos. Não se ofenda com cavalinhos, é apenas uma metáfora.
Dessa vez não houve palavras escapadas, em silêncio senti as pernas livres e comecei cair verticalmente, senti um quentinho quando entrei na atmosfera terrestre, um quentinho gostoso, e logo já estava no meu leito na rua das OrquÃdeas. O tempo segue indiferente as minhas dores, o relógio me desperta para mais um dia que é apenas uma tradução do movimento e blá-blá-blá...
Marcelo F cARMO