O seu Chico era o marido da dona Rita, eram nossos vizinhos. À dona Rita era uma senhora alta, cabelos preto — sempre amarrados —, vestidos longos e com mangas, eram os esteriótipos de uma mulher crente. Seu Chico era menos crente, aparentemente, um senhor baixo, calvo e sempre de calça social dobrada até à canela, camisa manga curta e chinelos Havaianas azul claro — aquele da correia fina —, tinham muitos filhos. As lembranças que tenho da Dona Rita, são de uma vizinha solidária e muito amável, do Seu Chico já não tenho as melhores lembranças, era impaciente conosco e muito avarento. Nessa época o bairro estava em plena expansão, o que nos garantia a possibilidade de ganhar umas moedas ajudando carregar materiais de construção (blocos, pedra e areia).
Não tínhamos nenhum espírito empreendedor, o dinheiro arrecadado, era inteiramente destinado aos prazeres da carne — que estavam ao nosso alcance é claro!— ou seja, investíamos em doces, o ápice pra nós, era uma lata de leite condensado — Leite Moça da Nestlé — que era muito caro, geralmente juntávamos os ganhos para comprar uma lata e dividíamos o doce néctar dos deuses democraticamente — cada um dava uma bicada e passava a lata, até última gota à lata rodava de mão em mão.
O seu Chico era um fanfarrão! — pois algumas vezes, depois que já tínhamos carregado o material, ele vinha com esse papinho;” Vou pagar vocês com cana, pois não é de doce que vocês gostam! Cana é doce.”— pra quem não conhece, nos anos 80 era muito comum o consumo de cana de açúcar — era um grande impasse, mas algumas vezes o seu Chico nos deu o cano! E acabamos sentados na calçada e chupando cana.
Marcelo F CARMO