Parafraseando Carlos Drummond de Andrade: “E agora José?“ — Século XXI pandemia de coronavírus —, isolamento social parcial é claro! mas não cabe aqui discutirmos as motivações pessoais. Quero refletir sobre pais e filhos em idade escolar. Escolas fechadas há, aproximadamente, um mês. Agora o governo do Estado de São Paulo — o estado com maior número de alunos do país, portanto modelo para os demais — inicia um projeto de aulas à distância, os alunos munidos de material disponibilizado pela secretaria de educação, e com o uso de uma — razoável — conexão de internet, tem essa árdua missão de seguir com seu aprendizado fundamental, ops! — sempre supervisionados por seus pais ou responsáveis.
É nesse ponto que pergunto, novamente- “E agora José?” Temos inúmeros impasses com relação ao sistema EAD — Educação à Distância —, primeiro, o sistema pressupõe certa maturidade pra focar-se nos estudos (o que em crianças e adolescentes não foi maturado, ainda); segundo, acesso a equipamentos e conexão eficaz; terceiro, pais ou responsáveis conscientes e dispostos a cumprir à obrigação— constitucional que lhes compete — de dividir com a escola à educação de seus filhos.
Sendo o terceiro impasse o único que está, parcialmente ao alcance de todos, sei da dificuldade e profundidade do assunto. Mas vou focar no melhor cenário — pais interessados e conscientes —, mesmo sendo otimista, estamos diante de um desafio dificílimo. Pois esses mesmos pais estão vivendo um avalanche profissional — para os que tinham empregos —, acúmulo de contas atrasadas, escassez de alimentos e o medo de tudo isso. Como poderão criar, em suas casas, ambientes que facilitem e proporcione uma satisfatória aprendizagem a vossos filhos? Mesmo com boa vontade e empenho — vamos concordar que é fundamental ter uma expertise para ensinar, o que nem todos detém!
Agora no pior cenário! Não vou citar Carlos Drummond de Andrade, pois ele não merece estar nesse cenário caótico. Pais alienados pelas belezas e prazeres— que seriam inalcançáveis sem as redes sociais —, e agora querem viver, a maior parte do seu tempo, nessa fantasiosa dimensão, não tem tempo e nem disposição para coisas chatas como: gramática, literatura, aritmética, sociologia, filosofia e uma pitadinha de álgebra (filhos maiores de 12 anos). Uma sociedade com excesso de informações, mas com poucas bateias pra trazer a tona o que realmente tem valor.
Depois dessa pandemia — e sigo pessimista quanto ao tema— o que veremos é que as chances dos ocupantes das prateleiras de baixo alcançarem prateleiras intermediárias — através da educação —, uma educação pública de qualidade, estarão ainda menores que no, já caótico sistema educacional — pré-COVID 19. “E agora José?” Poema de
Carlos Drummond de Andrade, assim encerro esta reflexão.
Marcelo F Carmo
“José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?”
Carlos Drummond de Andrade