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Guilhotina

  • Foto do escritor: Marcelo F Carmo
    Marcelo F Carmo
  • 25 de jun. de 2020
  • 3 min de leitura

Atualizado: 27 de fev. de 2021


Qual o pensamento de um condenado à morte ao ouvir o barulho do destravamento da guilhotina — o som agudo dá lâmina à deslizar — à lâmina que irá decapitá-lo! Nesses poucos segundos, o que se passa nessa mente perturbada pela iminência da morte? Lendo Dostoyevsky — O idiota — e Rubem Alves — Se eu pudesse viver minha vida novamente...—, fiz uma regressão para o dia que ouvi — de um médico — o destravamento da guilhotina a que fui condenado. Foi no dia 21/11/2014, no hospital do servidor público estadual, neste dia — depois de 11 dias de internação para uma minuciosa investigação médica — foi fechado o diagnóstico: “Marcelo você tem Esclerose Lateral Amiotrófica — ELA — à sua expectativa de vida é de, aproximadamente, 5 anos, e às coisas — se você sobreviver — ficarão difíceis.” Foi o que ouvi de um jovem médico carioca — dr Alexandre. Depois — aproximadamente um ano — o encontrei novamente no sexto andar do Hospital das Clínicas de São Paulo — foi educado e sincero no olhar, me disse indiretamente, “aqui também ninguém pode retardar e muito menos parar à sua guilhotina! “ — nessa época eu ainda não tinha acordado para minha realidade. O sexto andar do HC é um retrato fiel que a vida é — pra alguns — invariavelmente dura. Um dolorido despertar da ilusão que à medicina pode resolver — grande parcela — os males do sistema nervoso central. Infelizmente, à constatação, é que os mecanismos da ciência médica, são ínfimos quando trata-se do relógio blindado que rege a existência humana — o sistema nervoso central.

Os autores citados fazem em suas obras uma descrição incrível sobre tal sensação. Rubem Alves escreveu sobre sua experiência pessoal — teve um câncer devastador e logo depois Parkinson. Não sei precisamente em que intervalo da vida ele escreveu este livro, mas a profundidade e precisão utilizadas, é de alguém que (sobre) viveu e tem o dom de traduzir em palavras, tais sentimentos. Dostoyevsky — uma mente incrível para descrever o sentimento humano — é de outro século, suas obras são genuínas em todos os aspectos, mas o sentimento das personagens, têm um brilhantismo à parte. Certamente fruto de boas histórias que ouviu, leu e até viveu, sofria de epilepsia, e a medicina era ainda mais precária no século XIX.

O Trecho do poema ‘Os arautos negros’ de César Vallejo:

“Há golpes na vida,

tão fortes… Não sei!

Golpes como o ódio de Deus; como se diante deles

A ressaca de todo o sofrido

Encharcasse a alma…

Não sei!...”

Conheci o poema por uma citação de Rubem Alves. É esse sentimento — não sei! Há guilhotinas afiadas sendo disparadas — enquanto houver vida —, mas diferente da medieval, o tempo do disparo dá lâmina até o desfecho final — a morte — não é previsível, ficamos aqui com o pescoço na guilhotina, sabendo que à lâmina está descendo — o corpo deteriorando por essa imobilidade — e à dona morte não chega.

Há escritores que têm o dom de descrever em belas e perspicazes palavras o sentimento de um condenado à morte:

“De repente do riso fez-se o pranto 

Silencioso e branco como a bruma 

E das bocas unidas fez-se a espuma 

E das mãos espalmadas fez-se o espanto. 

...

trecho do SONETO DE SEPARAÇÃO de Vinicius de Moraes.

De repente tudo muda, à voz vai ficando muda, à ciência surda e muda, já não nos escuta. Depois do sexto andar, à vida tende a piorar.


Marcelo F CARMO

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