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  • Foto do escritorMarcelo F Carmo

Chácara da “tia Parecida”

Atualizado: 11 de jan. de 2021


Minha tia Aparecida durante algum tempo — lá em minha primeira infância — morou em uma chácara, era um lugar incrível. Pra chegar já era uma grande aventura, cortávamos caminho por uma área sem casas e ruas, chamávamos de pasto — um triozinho numa savana —, depois atravessávamos à linha do trem, umas pinguélas — pontes de madeira em áreas de brejo. Passamos por uma rua — já próximo da chácara — que tinha um riacho com água limpa (aparentemente) passando por umas rochas, dava pra transpor sem muitas dificuldades. A região era pouco habitada. Tinha uma casa que ficava perto deste riacho, nela morava um rapaz com uma deficiência mental — o que na época não era uma informação muito clara —, ele não falava, se comunicava com gritos. Era conhecido por ‘Papudo’, tínhamos medo dele. Nossas mães não facilitavam e diziam:”Vou chamar o Papudo pra pegar vocês!”

A chácara um território intercontinental, partíamos de savanas africanas pra florestas tropicais — ambientes úmidos quase sem luz solar e outros ensolarados com muitas rochas. O portão era estilo colonial — ferro fundido — com duas pilastras brancas com ponta piramidal, depois do portão, um jardim à direita, a cerca que separava o jardim do corredor era feita com ciprestes moldados — ficava retinha, um paralelepípedo verde — e tem uma flor azul clarinha quase branca. A casa era branca, não lembro se eram dois pisos, quase em frente à porta de entrada, tinha uma rampa que dava acesso à área ‘selvagem’, o primeiro bioma era o mais úmido — as árvores mais altas —, tinha um balanço em uma delas, mas não ligávamos muito — o balanço era coisa para criança — o que queríamos era aventura. Depois vinha a vegetação mais baixa e muitas rochas, o terreno ficava mais inclinado e por fim chegávamos à uma cerca de arames farpados — algumas vezes pulávamos e voltávamos pela rua que circundava à chácara, ruas precárias, mas era um caminho mais rápido. Só voltamos para o lanche ou almoço — comíamos de tudo; de taioba a bolinhos de chuva. Mas invariavelmente seguíamos para à esquerda e descíamos pelo outro lado, paralelo a outra cerca lateral, esse lado tinha muito mais rochas. Já chegando de volta à casa — pelo lado inverso que subiamos — tinha uma pedrona enorme, era umas quatro vezes a altura da casa, e não era muito difícil chegar ao topo, pois o fundo dela conectava com o solo — uma rampinha com um pouco de limo verde, que raspávamos pra não escorregar e aí era moleza chegar ao cume e dar uns gritos intraduzíveis. A equipe era formada por mim, meus irmãos e o Beto nosso primo — somos primos ao quadrado, nossas mães e pais são irmãos (ou eram, pois nossos pais já faleceram), minhas primas não participavam dessas aventuras, eram muito pequenas — Débora e Adriana. O caçula Alberto não tinha nascido ainda ou então era muito bebê, mas tá aqui registrado a família Ferreira do Carmo do lado de lá. Essa é uma particularidade nossa, temos o mesmo sobrenome.

A pedrona gigante fazia fundo para o vizinho. Lá tinha dois ou três garotos que tinham idades próximas das nossas. E como é natural de crianças, tínhamos períodos de paz e outros de guerra. O Beto quando estava solitário brincava de boa com os vizinhos, mas como qualquer criança, quando estava com seus primos — eu, Mauricio e o Paulo — ficava meio exibido e às vezes brigávamos com os habitantes locais.

Uma dessas brigas foi célebre. Chamamos de “Combino”. Durou duas visitas, lembro de ter feito estratégias no papel e tramado alguns planos com o Paulo — mano caçula —, mas como sempre, entre os planos fantasiosos e a realidade, há um grande abismo. Não foi nada do que imaginamos. A batalha efetiva se resumiu à algumas varadas e uma troca de insultos sobre a mãe alheia. Foi só. Eu pensei numa guerra do Vietnã, mas tudo não passou de singelos petelecos.

O tempo passava muito rápido nessas visitas. Posteriormente eles mudaram pra uma residência que ficava ao lado. Durante algum tempo nos aventurávamos pela região. O tempo passou, a ocupação populacional aumentou e as áreas verdes foram ficando cada vez menores. Mas em minhas lembranças a chácara da ‘tia Parecida’ segue encantadora e agora eternizada — força de expressão — nesta crônica.

Marcelo F CARMO


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