Carta à Clara
- Marcelo F Carmo
- 13 de abr. de 2020
- 2 min de leitura
Atualizado: 14 de out. de 2020

Hoje escrevo para você minha netinha. Não é a primeira vez que o faço. Já fiz uma poesia pra ti, quando você ainda estava em gestação, mas hoje foi um dia ainda mais especial - lhe conheci pessoalmente - infelizmente não atravessamos um momento tranquilo em nossa existência. Individualmente porque o vovô está doente; coletivamente porque o mundo está adoecendo. Estamos sobrevivendo a pandemia da COVID 19, é abril de 2020. Você estudará este momento de crise mundial nas aulas de história. Hoje você está completando 21 dias. Foi o nosso primeiro encontro. E foi incrível Clarinha! - uma mistura de sentimentos bons, vou lhe confessar! - mexeu muito comigo, quase chorei - não que eu seja um avô especial, não é nada disso Clarinha. Vou explicar; há alguns anos minha vida foi, parcialmente, ceifada por uma doença neurodegenerativa fatalista. Minha expectativa de vida não alcançaria o seu nascimento - na época seus pais ainda eram dois adolescentes namorados, não imaginavam ter uma filha ainda tão jovens, e nem eu que alcançaria uma neta -, pois segundo a medicina, só viveria, no máximo, até 2019. Quando o Guilherme (seu papito) me contou que sua mamãe estava grávida, tive aquele ímpeto de alegria e ao mesmo tempo tristeza, pois diante de minha saúde precária, achava que não alcançaria vosso nascimento, mas felizmente, diante de todo este caos, ainda bem, fui surpreendido. E lhe conheci!
O mundo de hoje é altamente tecnológico Clarinha (imagino que o que você vive, ao ler esta cartinha, está anos-luz do que chamo de tecnologia enquanto escrevo), mas nem sempre foi assim, o vovô conheceu um mundo analógico. Você com 21 dias já tem mais fotografias que o vovô em toda infância. Não estou comparando nossos mundos, não é nada disso, não sei avaliar se um é melhor ou pior que o outro, quero apenas situá-la no momento histórico de nosso primeiro encontro. Já tenho imagens suas, mesmo antes de você nascer (ultrassonografia 3D, era a tecnologia em alta). E depois que você nasceu, ainda mais, diariamente sua mãe e seu pai tem compartilhado fotos suas. Mas nada supera o contato de um encontro de verdade. Mesmo um tanto debilitado pelas circunstâncias da minha vida, ainda pude lhe segurar no colo, sentir sua respiração, seu coraçãozinho, seu cheirinho de bebê. Ah Clarinha! - senti uma alegria que há muito tempo não sentia. A sua pequena mãozinha hábil por sentir o mundo - tocando meu braço e dedos parcialmente inutilizados - seus olhinhos pretos como duas jabuticabas maduras, olhando e ao mesmo tempo desolhando o mundo que nos cerca. Você não lembrará desse primeiro encontro, esse é um dos motivos que me inspiraram à lhe escrever esta carta crônica. Quero deixar claro Clarinha, que você clareou o breu que o vovô tem chamado de vida. O amor que nos conecta é luz em minha vida Clara. Depois de você, minha vida clareou.
Marcelo Ferreira do Carmo
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