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  • Foto do escritorMarcelo F Carmo

Carnegão

Atualizado: 3 de mar. de 2021


Tái uma palavra que faz tempo que não ouvia falar — ler então! mais improvável ainda. Quando era ainda uma criança, minha mãe falava muito desse bendito —ou melhor, maldito — carnegão. Na verdade eu achava que era um termo folclórico que ela tinha ouvido em sua infância e estava passando à frente. Mas não é não! é um termo médico — pouco conhecido —, o ‘carnegão’ é uma massa de pus misturada com restos de pele. Mas o leitor vai perguntar: “pô Marcelo! o que te leva pensar nestas nojeiras?” Calma lá! Foi à literatura que me trouxe até aqui. Com a incumbência de ler a maior quantidade de clássicos literários antes de morrer, assim tenho feito. Uma dos que estou lendo; é Hamlet-William Shakespeare (tradução Millor Fernandes) em um dos espetaculares diálogos olha quem apareceu: — “E assim esse devemos é um suspiro excessivo / Que, aliviando, dói. Mas vamos ao carnegão do abscesso:” — fiquei surpreso com meu pobre vocabulário, mas bola pra frente, aprendi mais uma. Aproveitei e voltei no tempo, um tempo que o meu maior medo, era minha mãe buscando, em mim, o ‘carnegão.’

Éramos uns meninos ‘perebentos’, essa é a melhor definição. Os motivos são muitos, mas não vem ao caso. Lembro que era frequente termos uns ‘vulcaozinhos’ na pele — furúnculo é uma forma de foliculite profunda —, minha mãe entendia que, para o vulcão entrar em erupção, era só apertá-lo até o ‘carnegão’ pular fora — e isso gerava certa dor —, o que às vezes não era tão perceptível assim, mas ela seguia espremendo: “só sara quando o carnegão sair!”

E hoje lendo Shakespeare entendi quanta sabedoria — mesmo que recheada de muitíssima dor — minha mãe tinha na busca incessante pelo ‘carnegão.’ A sabedoria empírica — doía— mas aliviava à ferida! Assim como Hamlet, dona Ilda estava certa “Que, aliviando, dói. Mas vamos ao carnegão do abscesso:”


Marcelo F Carmo

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