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  • Foto do escritorMarcelo F Carmo

Balé dos botijões

Atualizado: 26 de out. de 2020


A infância na década de 80 era recheada de aventuras e eventos inusitados. Nessa época nossas saídas para rua eram controladas por meus pais, saíamos em raras ocasiões. Nos demais dias, nos posicionávamos em cima da caixa do registro de água para ficar vendo a movimentação da rua. As ruas não eram asfaltadas, e o deslocamento de veículos, em dias chuvosos, era um caos. Às vendas de gás de cozinha eram feitas por caminhões, e como o caminhão de lixo, tinham os dias certos para passar. Lembro que foi no caminhão do gás, à primeira vez que vi o uso de correntes em pneus, frequentemente eles atolavam, mesmo com correntes. Esse fato levava os entregadores a caminhar um pouco mais, pois o caminhão nem sempre ia até o final da rua. E é nessa caminhada que fica o foco dessa crônica, os entregadores pegavam um botijão em cada mão e a cada passo largo, os botijões tocavam entre as suas pernas; Tim, Tim, Tim, ... Eu e meu irmão achávamos esse balé incrível, sincronização total.

O nosso universo era limitado ao nosso quintal, eram raras às visitas e invariavelmente, quando aparecia alguém, era pra atualizar a planilha dos falecidos, eu particularmente só gostava das visitas do tio Alcides, meu tio preferido, um cara encantador, fazia mágicas, dava doces e contava histórias incríveis sobre suas viagens, o cara era foda mesmo, foi até a Venezuela num Fiat 147; e tinha também minha tia Aparecida, minha tia número 2 no ranking dos mais queridos, ela era uma Liberal Radical, deixava as crianças a vontade, e o mais importante é que ela trazia meu primo Beto, aí a turma estava formada; os três mosqueteiros e o D’Artagnan. Tenho outros primos: Debora, Adriana e Alberto, respectivamente eram mais novos, por isso não brincávamos muito.

Uma certa tarde, era sábado ou domingo, pois minha mãe estava em casa, para minha grata surpresa, vejo um Fiat 147 adentrando a rua, o coração já acelerou, chegando mais perto, tive a confirmação, já pulei do meu posto de sentinela e fui em direção a casa gritando: “É o tio! É o tio!” Depois daquela recepção calorosa, nesse dia estava muito calor, ele pediu para que fôssemos até o bar comprar duas tubaínas, pegamos os vasilhames, e fomos felizes e descontrolados pela rua, crianças muito felizes, transbordam. No retorno, eu com uma tubaína e o Paulo com uma laranjada, tive a brilhante ideia e falei:

- Vamos fazer como os entregadores de gás!— meu irmão cheio de juízo e bom senso respondeu:

- Vamos sim Celo!

Como anfitrião da genial ideia, deixei ele ir primeiro, e foi sucesso, três passos; Tim, Tim, Tim. Aí foi minha vez, Tim, Tim e Tof, puts! Vi só os gargalos em minhas mãos! Meu irmão gritou:

- Mano, você quebrou às garrafas! - Eu! Acho que sim! — respondi sem muita convicção.

E ele já saiu correndo pra dar a notícia e livrar-se de uma provável surra. Eu perdi na corrida e de quebra, ainda estava com às garrafas quebradas nas mãos. Meu pai e minha mãe já esboçaram aquele sinal de rispidez, mas meu tio interpolou:

- Não foi nada! Acidentes acontecem, toma aqui esse dinheiro e compre duas tubainas com casco e tudo!

Dessa segunda vez já fomos menos empolgados e o balé das garrafas era assunto proibido. Ao final tomamos uma tubaína gelada, ouvimos algumas boas histórias e ele ao se despedir ainda estendeu o nosso habeas corpus:

- Não vá castigar os meninos depois!

O balé sincronizado das garrafas, no final, foi salvo pelo meu saudoso e amado tio Alcides.



Marcelo F CARMO

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