O Coração sentindo-se cansado de tantas novas tarefas que lhe são — indevidamente — atribuídas, desabafou com o Pulmão:
- Está muito pesado pra mim! Pois além de bombear o sangue pra todos os outros órgãos, ainda tenho que lidar com amores e paixões!
O Pulmão — que nunca para — é o tempo todo inflando e murchando, ficou pensativo ouvindo as reclamações do seu vizinho. Aí respondeu:
- A culpa disso tudo, é por conta da imagem bonitinha que criaram de ti. Você nem é tão bonito quanto à versão que criaram de você! Eu por exemplo sou bem mais bonito na realidade — pareço duas cove-flor deitadinhas! Você é feio como uma beterraba!
Os dois irmãos gêmeos Rins — direito e esquerdo — gritaram lá de baixo;
- Você é o bonitinho, o romântico, mas sem a gente pra filtrar o seu ‘sanguinho’ não há amor que resista!
A vesícula biliar — tão desprezada — murmurou:
- Eu ajudo com a bile, para o processamento e transformação da energia pra nós todos, mas uns até vivem sem mim. Não sou tão imprescindível como vocês!
O fígado também se interpôs:
- Oh dona Vesícula Biliar! Somos da mesma equipe, eu também ajudo na digestão, mas sem mim ninguém vive!
- Ops! — gritou o Baço indignado — Injustiçado sou eu! Ninguém me valoriza e poucos sabem que existo! Sou o maior órgão do sistema linfático — que ajuda na defesa do organismo. Moro aqui na região superior esquerda do abdômen — nosso mundo —, meu vizinho da esquerda é o Estômago e o de baixo o gêmeozinho Rim esquerdo. Tenho duas faces mesmo, não tô nem aí! uma diafragmática, que se relaciona com o Diafragma e outra visceral, que se relaciona com o Estômago e o Cólon transverso e o Rim esquerdo — gêmeozinho chato! E pra não esquecer, esse escritor deveria mudar o título deste texto para: “O apólogo do lindo Baço!”
Ouviu-se um grito vindo de trás do Estômago, era o Pâncreas
- E eu aqui! Oh, oh, aqui ó, uma glândula esquecida. Sou responsável pela produção de insulina e pela absorção de enzimas da digestão. Assim como a maioria de vocês! Só lembram de mim quando falho.
O Estômago convicto de seus méritos e importância só suspirou:
- Nem vou falar nada — tô suave!
Os demais órgãos não se indisporam com a reclamação do Coração egocêntrico. Foi então que lá de baixo ouviu-se o grito uníssono dos Intestinos — o delgado e o grosso —:
- Pode parar com esses alaridos aí em cima! Somos nós que resolvemos todas as ‘merdas’ que vocês fazem!
O silêncio foi ensurdecedor. Até que o Coração voltou atrás em suas indagações:
- O culpado é o Cérebro! Todos já ouviram falar dele, mas ele nunca aparece por aqui, só sentimos e obedecemos suas ordens.
Uma voz cheia de ecos e ressonâncias vindo de cima desceu pela laringe, traqueia e faringe ecoando no abdômen:
- Queridos coleguinhas, aqui não vale nenhum modelo democrático. Quem manda sou eu — Coraçãozinho e sua turminha —, amores e desamores e tudo que se faz nesta indústria chamada corpo humano, é comigo. Somos monocráticos.
O Coração ficou nervoso e bateu mais forte, gerando aquela reação em cadeia — popularmente conhecida como AGONIA. E seguimos nos enganando — às vezes —, quem ama é o chefe supremo Cérebro, o Coração e a turminha de baixo só seguem às ordens.
Marcelo F CARMO