São as nossas paixões que nos irritam contra as dos outros; é o nosso próprio interesse que nos leva a odiar os maus; se estes não nos fizessem nenhum mal, sentirÃamos por eles mais piedade que ódio. O mal que os maus nos fazem leva-nos a esquecer o mal que se fazem a si mesmos. Perdoar-Ihes-Ãamos com mais facilidade os seus vÃcios se pudéssemos saber quanto os seus próprios corações os castigam. Sentimos a ofensa e não vemos o castigo; as vantagens são aparentes, o sofrimento é interior. Aquele que crê gozar do fruÂto dos seus vÃcios não se sente menos atormentado do que se o não tivesse conseguido; o objecto muda mas a inquietação é a mesma; por mais que evidenciem a sua fortuna e escondam o seu coração, o seu comportamento demostra-o, mesmo sem que o queiram: mas, para nos apercebermos disso, é preciso que não tenhamos um coração semelhante.
As paixões que nos dividem seduzem-nos; as que chocam os nossos interesses revoltam-nos, e, por uma inconsequência que nos vem delas, criticamos nos outros o que desejarÃamos imitar. A aversão e a ilusão são inevitáveis, quando somos obrigados a suÂportar, por parte de outrém, o mal que farÃamos se estivéssemos no lugar dessa pessoa. Então, que seria preciso para bem observar os homens? Um grande interesse em conhecê-Ios, uma grande imparcialidade ao julgá-los, um coração bastante sensÃvel para conceber todas as paixões humanas e suficientemente calmo para não as experiÂmentar.
Jean-Jacques Rousseau, in 'EmÃlio'