O dinheiro neste mundo
não há força que o debande
nem perigo que enfrente
nem senhorio que o mande
Tudo está debaixo dele
só ele é quem é grande
ele impera sobre o trono
cercado por ambição
o chaleirismo a seus pés
sempre está em prontidão
perguntando-lhe com cuidado
“O que lhe falta patrão?”
No dinheiro tem se visto
nobreza desconhecida
meios que ganham questão
ainda estando perdida
honra por meio da infâmia,
glória mal adquirida
porque só mesmo dinheiro
tem maior utilidade
é o farol que mais da brilho
perante a sociedade
o código da lei é dele
e a lei é sua vontade
O homem tendo dinheiro
mata até o próprio pai
a justiça fecha os olhos,
a polícia lá não vai
passam- se cinco seis meses
vai indo o processo cai
compra cinco testemunhas
que depõem a seu favor
aluga dois escrivãos
compra um procurador
faz dois doutores de prata,
pronto homem meu senhor
Ainda que vá a juri
compra logo atenuante
da um unto nos jurados
se livra no mesmo instante
tem o juiz a favor
os jurados e assim por diante
essas questões muito sérias
que vão para o tribunal
ali exige os papéis
que levem prova legal
cédulas de quinhentos fachos
é o papel principal.
Dinheiro faz eloquência
a quem nunca teve estudo
e imprime coragem ao fraco,
da animação a tudo
vence batalha sem arma,
faz vez de lança e escudo
aonde não há dinheiro,
todo trabalho é perdido
toda questão esmorece,
todo negócio é falido.
todo cálculo sai errado,
todo debate é vencido.
Pois o homem sem dinheiro
é como um velho demente
um gato que não tem unha,
cobra que não tem um dente
cachorro que não tem faro,
cavalo magro e doente
porque perante o dinheiro
tudo ali se torna mole
porque não há objeto
que sobre o seus pés não role
bote dinheiro no morto
que a ossada dele bole.
O bacharel por dinheiro é macaco por banana
o gato por gabiru o guaxinim por cana
só sagui pela resina ou bode por gitirana
A moça teno dinheiro, sendo feia como a morte
Caracteriza-se enfeita, sempre melhora de sorte
Mas de mil aventureiros a desejam por consorte
Porque o dinheiro na terra
é capa que tudo encobre
Cubram um cachorro com ouro
que ele tem que ficar nobre
É superior ao dono,
se acaso o dono for pobre
Eu já vi narrar um fato
Que fiquei admirado
Um sertanejo me disse
Que nesse século passado
Viu enterrar um cachorro
Com honras de um potentado.
Um inglês tinha um cachorro
De uma grande estimação.
Morreu o dito cachorro
E o inglês disse então:
Mim enterra esse cachorro
Inda que gaste um milhão.
Foi ao vigário e lhe disse:
Morreu cachorra de mim
E urubu no Brasil
Não poderá dar-lhe fim...
- Cachorro deixou dinheiro?
Perguntou o vigário assim.
- Mim quer enterrar cachorro!
Disse o vigário: Oh! Inglês!
Você pensa que isto aqui
É o país de vocês?
Disse o inglês: Oh! Cachorro!
Gasta tudo esta vez.
Ele antes de morrer
Um testamento aprontou
Só quatro contos de réis
Para o vigário deixou.
Antes do inglês findar
O vigário suspirou.
- Coitado! Disse o vigário,
De que morreu esse pobre?
Que animal inteligente!
Que sentimento tão nobre!
Antes de partir do mundo
Fez-me presente do cobre.
Leve-o para o cemitério,
Que vou o encomendar
Isto é, traga o dinheiro
Antes dele se enterrar,
Estes sufrágios fiados
É factível não salvar.
E lá chegou o cachorro
O dinheiro foi na frente,
Teve momento o enterro,
Missa de corpo presente,
Ladainha e seu rancho
Melhor do que certa gente.
Mandaram dar parte ao bispo
Que o vigário tinha feito
O enterro do cachorro,
Que não era de direito
O bispo aí falou muito
Mostrou-se mal satisfeito.
Mandou chamar o vigário
Pronto o vigário chegou
As ordens sua excelência...
O bispo lhe perguntou:
Então que cachorro foi,
Que seu vigário enterrou?
Foi um cachorro importante
Animal de inteligência
Ele antes de morrer
Deixou à vossa excelência
Dois contos de réis em ouro...
Se errei, tenha paciência.
Não foi erro, sr. Vigário,
Você é um bom pastor
Desculpe eu incomodá-lo
A culpa é do portador,
Um cachorro como este
Já vê que é merecedor.
O meu informante disse-me
Que o caso tinha se dado
E eu julguei que isso fosse
Um cachorro desgraçado.
Ele lembrou-se de mim
Não o faço desprezado.
O vigário aí abriu
Os dois contículos de réis.
O bispo disse: é melhor
Do que diversos fiéis.
E disse: Provera Deus
Que assim lá morresse uns dez.
E se não fosse o dinheiro
A questão ficava feia,
Desenterrava o cachorro
O vigário ia a cadeia.
Mas como gimbre correu
Ficou qual letras na areia.
Judas era um homem santo
Pregava religião
era discípulo do Cristo
tinha toda direção
Porém por trinta dinheiros dispensou a salvação
O dinheiro só não pode, privar o dono de morrer
Parar o vento no ar e proibir de chover
O resto se torna fácil, para o dinheiro fazer
O sacerdote no templo inda estando no sermão
Chega um ateu na igreja e traga- lhe meio milhão
Que ele vai encontra-lo, botam na palma da mão.
Havendo muito dinheiro
casa-se irmã com irmão
O bispo dispensa o quarto
vai ao papa outro quinhão
O vigário da-lhe o unto
e porque não casa então?
Leandro Gomes de Barros, um grande poeta da literatura de cordel, nascido no sertão da Paraíba, e que viveu de 1865 a 1918.