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  • Foto do escritorMarcelo F Carmo

O dinheiro, o testamento do cachorro-Leandro Gomes de Barros

Atualizado: 14 de jan. de 2020



O dinheiro neste mundo

não há força que o debande

nem perigo que enfrente

nem senhorio que o mande

Tudo está debaixo dele

só ele é quem é grande



ele impera sobre o trono

cercado por ambição

o chaleirismo a seus pés

sempre está em prontidão

perguntando-lhe com cuidado

“O que lhe falta patrão?”


No dinheiro tem se visto

nobreza desconhecida

meios que ganham questão

ainda estando perdida

honra por meio da infâmia,

glória mal adquirida



porque só mesmo dinheiro

tem maior utilidade

é o farol que mais da brilho

perante a sociedade

o código da lei é dele

e a lei é sua vontade



O homem tendo dinheiro

mata até o próprio pai

a justiça fecha os olhos,

a polícia lá não vai

passam- se cinco seis meses

vai indo o processo cai



compra cinco testemunhas

que depõem a seu favor

aluga dois escrivãos

compra um procurador

faz dois doutores de prata,

pronto homem meu senhor



Ainda que vá a juri

compra logo atenuante

da um unto nos jurados

se livra no mesmo instante

tem o juiz a favor

os jurados e assim por diante



essas questões muito sérias

que vão para o tribunal

ali exige os papéis

que levem prova legal

cédulas de quinhentos fachos

é o papel principal.



Dinheiro faz eloquência

a quem nunca teve estudo

e imprime coragem ao fraco,

da animação a tudo

vence batalha sem arma,

faz vez de lança e escudo



aonde não há dinheiro,

todo trabalho é perdido

toda questão esmorece,

todo negócio é falido.

todo cálculo sai errado,

todo debate é vencido.



Pois o homem sem dinheiro

é como um velho demente

um gato que não tem unha,

cobra que não tem um dente

cachorro que não tem faro,

cavalo magro e doente



porque perante o dinheiro

tudo ali se torna mole

porque não há objeto

que sobre o seus pés não role

bote dinheiro no morto

que a ossada dele bole.



O bacharel por dinheiro é macaco por banana

o gato por gabiru o guaxinim por cana

só sagui pela resina ou bode por gitirana

A moça teno dinheiro, sendo feia como a morte

Caracteriza-se enfeita, sempre melhora de sorte

Mas de mil aventureiros a desejam por consorte



Porque o dinheiro na terra

é capa que tudo encobre

Cubram um cachorro com ouro

que ele tem que ficar nobre

É superior ao dono,

se acaso o dono for pobre

Eu já vi narrar um fato

Que fiquei admirado

Um sertanejo me disse

Que nesse século passado

Viu enterrar um cachorro

Com honras de um potentado.


Um inglês tinha um cachorro

De uma grande estimação.

Morreu o dito cachorro

E o inglês disse então:

Mim enterra esse cachorro

Inda que gaste um milhão.


Foi ao vigário e lhe disse:

Morreu cachorra de mim

E urubu no Brasil

Não poderá dar-lhe fim...

- Cachorro deixou dinheiro?

Perguntou o vigário assim.


- Mim quer enterrar cachorro!

Disse o vigário: Oh! Inglês!

Você pensa que isto aqui

É o país de vocês?

Disse o inglês: Oh! Cachorro!

Gasta tudo esta vez.


Ele antes de morrer

Um testamento aprontou

Só quatro contos de réis

Para o vigário deixou.

Antes do inglês findar

O vigário suspirou.


- Coitado! Disse o vigário,

De que morreu esse pobre?

Que animal inteligente!

Que sentimento tão nobre!

Antes de partir do mundo

Fez-me presente do cobre.


Leve-o para o cemitério,

Que vou o encomendar

Isto é, traga o dinheiro

Antes dele se enterrar,

Estes sufrágios fiados

É factível não salvar.


E lá chegou o cachorro

O dinheiro foi na frente,

Teve momento o enterro,

Missa de corpo presente,

Ladainha e seu rancho

Melhor do que certa gente.


Mandaram dar parte ao bispo

Que o vigário tinha feito

O enterro do cachorro,

Que não era de direito

O bispo aí falou muito

Mostrou-se mal satisfeito.


Mandou chamar o vigário

Pronto o vigário chegou

As ordens sua excelência...

O bispo lhe perguntou:

Então que cachorro foi,

Que seu vigário enterrou?


Foi um cachorro importante

Animal de inteligência

Ele antes de morrer

Deixou à vossa excelência

Dois contos de réis em ouro...

Se errei, tenha paciência.



Não foi erro, sr. Vigário,

Você é um bom pastor

Desculpe eu incomodá-lo

A culpa é do portador,

Um cachorro como este

Já vê que é merecedor.


O meu informante disse-me

Que o caso tinha se dado

E eu julguei que isso fosse

Um cachorro desgraçado.

Ele lembrou-se de mim

Não o faço desprezado.


O vigário aí abriu

Os dois contículos de réis.

O bispo disse: é melhor

Do que diversos fiéis.

E disse: Provera Deus

Que assim lá morresse uns dez.


E se não fosse o dinheiro

A questão ficava feia,

Desenterrava o cachorro

O vigário ia a cadeia.

Mas como gimbre correu

Ficou qual letras na areia.


Judas era um homem santo

Pregava religião

era discípulo do Cristo

tinha toda direção

Porém por trinta dinheiros dispensou a salvação


O dinheiro só não pode, privar o dono de morrer

Parar o vento no ar e proibir de chover

O resto se torna fácil, para o dinheiro fazer

O sacerdote no templo inda estando no sermão

Chega um ateu na igreja e traga- lhe meio milhão

Que ele vai encontra-lo, botam na palma da mão.


Havendo muito dinheiro

casa-se irmã com irmão

O bispo dispensa o quarto

vai ao papa outro quinhão

O vigário da-lhe o unto

e porque não casa então?



Leandro Gomes de Barros, um grande poeta da literatura de cordel, nascido no sertão da Paraíba, e que viveu de 1865 a 1918.



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