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Nossa truculência- Clarice Lispector

  • Foto do escritor: Marcelo F Carmo
    Marcelo F Carmo
  • 17 de dez. de 2019
  • 1 min de leitura

Quando penso na alegria voraz

com que comemos galinha ao molho pardo,

dou-me conta de nossa truculência.

Eu, que seria incapaz de matar uma galinha,

tanto gosto delas vivas

mexendo o pescoço feio

e procurando minhocas.

Deveríamos não comê-las e ao seu sangue?

Nunca.

Nós somos canibais,

é preciso não esquecer.

E respeitar a violência que temos.

E, quem sabe, não comêssemos a galinha ao molho pardo,

comeríamos gente com seu sangue.

Minha falta de coragem de matar uma galinha

e no entanto comê-la morta

me confunde, espanta-me,

mas aceito.

A nossa vida é truculenta:

nasce-se com sangue

e com sangue corta-se a união

que é o cordão umbilical.

E quantos morrem com sangue.

É preciso acreditar no sangue

como parte de nossa vida.

A truculência.

É amor também.


Clarice Lispector

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