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  • Foto do escritorMarcelo F Carmo

Na missa de chuteira

Atualizado: 9 de ago. de 2021


Em minha infância tiveram muitos eventos marcantes, quero nesta crônica pontuar três deles que me marcaram profundamente: a passagem do cometa Halley no planeta Terra e até na Vila Rolim, terra isolada nos remotos anos 80; vinda do banda Kiss ao Brasil e a copa do mundo de futebol na Espanha em 1982.

Não era muito ligado em astronomia, acreditava em astrologia e pouco ou quase nada nas ciências — Leis de Kepler -Johannes Kepler (1571-1630) - e Leis de Newton - Isaac Newton (1643-1727) - só fui aprender muitos anos depois por conta própria —, também não era muito roqueiro. O meu mundo era tão carente de acontecimentos, que estes tiveram uma magnitude extraordinária. A banda de rock Kiss apareceu até no Scooby-Doo — desenho animado que era um sucesso na época. Era o ano de 1983, nesse período eles ainda se apresentavam mascarados, o Kiss mexeu com o Brasil na turnê do disco Creatures of the Night. I Love it Loud — Eu Amo Isso — tocava todo tempo nas rádios, e os fãs, eufóricos, nem se importaram com as críticas negativas da imprensa, despreparada para lidar com uma banda cercada de mistérios. O show lotou o estádio do Morumbi em junho deste ano. O refrão da música é demais, até hoje mexe comigo, mesmo não me atentando para a tradução, que só descobri 40 anos depois, a vida sem o Google era muito mais escassa de informações. Não aguentei não copiar e colar aqui este refrão tão impactante:

“I'm a sick fuck, I like a quick fuck (whoop!)

I'm a sick fuck, I like a quick fuck (whoop!)

I'm a sick fuck, I like a quick fuck (whoop!)

I'm a sick fuck, I like a quick fuck (whoop!)”

O cometa Halley não alcançou o impacto da banda Kiss, mas teve até figurinhas no chiclete Ping-Pong, chiclete era um doce muito consumido pelas crianças, quem não ficou banguela tem um rastro de obturações na boca. Na televisão só se falava no cometa, acabei não vendo sua passagem, pois tínhamos que dormir cedo, nem o cometa Halley que aparece por aqui a cada 76 anos — Edmond Halley (1720-1742) o astrônomo inglês que descobriu a periodicidade que o cometa seria visível pra nós, amigo de Newton — afrouxou às regras impostas pelos meus pais.

A copa de futebol era praticamente uma unanimidade, só se falava disso, este foi o gatilho da história que quero relembrar. O Brasil não ganhou a copa, foi uma frustração generalizada, vi até vizinhos chorando, quanta frivolidade numa vida.

Passada à copa do mundo muitos produtos ligados ao futebol, com a derrota, ficaram encalhados nas lojas. Minha mãe e meu pai ralavam muitíssimo para se alimentarem e alimentar três meninos e dentro do possível vesti-los e calça-los. Minha mãe atarefada pelas inúmeras responsabilidades inerentes à uma mãe de três meninos, certa tarde voltando de seu trabalho foi seduzida por uma promoção de calçados para meninos, só percebeu que eram chuteiras de futebol de campo — não sei se já existia futebol de salão — quando chegou em casa e nos mostrou, mas mesmo assim não baixou o topete, “vão usar sim, ninguém vai nem perceber!” Criança não tinha muita opinião lá em casa. Ainda bem que a estreia foi em um domingo na missa e não na escola. Às missas aos domingos pela manhã tinham uma organização particular, as crianças que faziam catecismo não ficavam com os pais, havia um lugar reservado para nós aos pés do padre — nos degraus do púlpito — e alguns bancos da frente ao lado esquerdo da nave principal da igreja. Fomos mais visualizados que o próprio Jesus naquela missa. Crianças são implacáveis com seus coleguinhas, nesse domingo nem ficamos para o catecismo, a chacota foi pesada. Diante de fatos não há argumentos, ainda bem, minha mãe ficou convencida que não era seguro irmos para à escola de chuteiras e também não jogávamos futebol, utilizamos nossas chuteiras de cravas longas em nossas aventuras no quintal.

Um roqueiro enrustido que curtia Kiss numa igreja de chuteira sem nenhuma simpatia por futebol não podia dar certo mesmo.


Marcelo F cARMO





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