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A chegada de Ariano Suassuna no céu

  • Foto do escritor: Marcelo F Carmo
    Marcelo F Carmo
  • 14 de dez. de 2019
  • 4 min de leitura

Atualizado: 23 de jan. de 2020


Nos palcos do firmamento

Jesus concebeu um plano

De montar um espetáculo

Para Deus Pai Soberano

E, ao lembrar de um dramaturgo,

Mandou buscar Ariano.


Jesus mandou-lhe um convite,

Mas Ariano não leu.

Estava noutro idioma,

Ele num canto esqueceu,

Nem sequer observou

Quem foi que lhe escreveu.

Depois de um tempo, mandou


Uma segunda missiva.

A secretária do artista

Logo a dita carta arquiva,

Dizendo: — Viagem longa

A meu mestre não cativa.

Jesus sem ter a resposta

Disse torcendo o bigode:

— Eu vejo que Suassuna

É teimoso igual a um bode.


Não pode, mas ele pensa

Que é soberano e pode!

Jesus, já perdendo a calma,

Apelou pra outro suporte.

Para cumprir a missão,

Autorizou Dona Morte:

— Vá buscar o escritor,

Mas vê se não erra o corte!


A morte veio ao País

Como turista estrangeiro,

Achando que o Brasil

Era só Rio de Janeiro.

No rastro de Suassuna,

Sobrou pra Ubaldo Ribeiro.


Porém, antes de encontrá-lo,

Sofreu um constrangimento

Passando em Copacabana,

Um malfazejo elemento

Assaltou ela levando

Sua foice e documento.


A morte ficou sem rumo

E murmurou dessa vez:

— Pra não perder a viagem

Vou vender meu picinez

Para comprar outra foice

Na loja de algum chinês.


Por um e noventa e nove

A dita foice comprou.

Passando a mão pelo aço,

Viu que ela enferrujou

E disse: — Vai essa mesma,

Pois comprar outra eu não vou!


A morte saiu bolando,

Sem direção e sem tino,

Perguntando a um e a outro

Pelo escritor nordestino,

Obteve informação,

Gratificando um menino.

Ao encontrar João Ubaldo,

Viu naufragar o seu plano,

Se lembrando da imagem

Disse: — Aqui há um engano.


Perguntou para João

Onde é que estava Ariano.

Nessa hora João Ubaldo,

Quase ficando maluco,

Tomou um susto arretado,

Quando ali tocou um cuco,

Mas, gaguejando, falou:

—Ele mora em Pernambuco!


A morte disse:

— Danou-se

Dinheiro não tenho mais

Para viajar tão longe,

Mas Ariano é sagaz.

Escapou mais uma vez,

Vai você mesmo, rapaz!


Quando chegou lá no Céu

Com o escritor baiano,

Cristo lhe deu uma bronca:

— Já foi baldado o meu plano.

Pedi um da Paraíba

E você trouxe um baiano.


João Ubaldo é talentoso,

Porém não escreve tudo.

“Viva o Povo Brasileiro”

É sua obra de estudo,

Mas quero peça de humor,

Que o Céu tá muito sisudo.


Foi consultar os arquivos

Pra ressuscitar João,

Mas achou desnecessário,

Pois já era ocasião

Pra ele vir prestar contas

Ali na Santa Mansão.


Jesus olhou para a Morte

E disse assim:

— Serafina,

Vejo não és mais a mesma.

Tu já foste mais malina,

Tá com pena ou tá com medo,

Responda logo, menina?!

— Jesus, eu vou lhe falar

Que preciso de dinheiro.


Ariano mora bem

No Nordeste brasileiro.

Disse o Cristo:

Tenho pressa,

Passe lá no financeiro!

— Só faço que é pra o Senhor.

Pra outro, juro não ia.

Ele que se conformasse

Com o escritor da Bahia.


Se dependesse de mim,

Ariano não morria.

A morte na internet

Comprou passagem barata.

Quase morria de susto

Naquela viagem ingrata.

De vez em quando dizia:

— Eita que viagem chata!


Uma aeromoça lhe trouxe

Duas barras de cereais.

Diz ela: — Estou de regime.

Por favor, não traga mais,

Porque se vier eu como,

Meu apetite é voraz!


Quando chegou no Recife,

Ficou ela de plantão

Na porta de Ariano

Com sua foice na mão,

Resmungando: — Qualquer hora

Ele cai no alçapão!


A morte colonizada,

Pensando em lhe agradar,

Uma faixa com uma frase

Ela mandou preparar,

Dizendo: “Welcome Ariano”,

Mas ele não quis entrar.


Vendo a tal faixa, Ariano

Ficou muito revoltado.

Começou a passar mal,

Pediu pra ser internado

E a morte foi lhe seguindo

Para ver o resultado.


Eu não sei se Ariano

Morreu de raiva ou de medo.

Que era contra estrangeirismos,

Isso nunca foi segredo.

Certo é que a morte o matou

Sem lhe tocar com um dedo.


Chegou no Céu Ariano,

Tava a porta escancarada.

São Pedro quando o avistou

Resmungando na calçada,

Correu logo pra o portão,

Louvando a sua chegada.


Um anjinho de recado

Foi chamar o Soberano,

Dizendo: – O Senhor agora

Vai concretizar seu plano.

São Pedro mandou dizer

Que aqui chegou Ariano.


Jesus saiu apressado,

Apertando o nó da manta

E disse assim: — Vou lembrar

Dessa data como santa

Que a arte de Ariano

Em toda parte ela encanta.


São Pedro lá no portão

Recebeu bem Ariano,

Que chegou meio areado,

Meio confuso e sem plano.

Ao perceber que morreu,

Se valeu do Soberano.


Com um chapelão de palha

Chegou Ascenso Ferreira,

O grande Câmara Cascudo,

Zé Pacheco e Zé Limeira.

João Firmino Cabral

Veio engrossar a fileira.


E o próprio João Ubaldo

(Que foi pra lá por engano)

Veio de braços abertos

Para abraçar Ariano.

E esse falou: – Ubaldo,

Morrer não tava em meu plano!


Logo chegou Jorge Amado

E o ator Paulo Goulart.

Veio também Chico Anysio

Que começou a contar

Uma anedota engraçada

Descontraindo o lugar


Logo chegou Jesus Cristo,

Com seu rosto bronzeado.

Veio de braços abertos,

Suassuna emocionado

Disse assim: — Esse é o Mestre,

O resto é papo furado!


Suassuna que, na vida,

Sonhou em ser imortal,

Entrou para Academia,

Mas percebeu, afinal,

Que imortal é a vida

No plano celestial.


Jesus explicou seus planos

De fazer uma companhia

De teatro e ele era

O escritor que queria

Para escrever suas peças,

Enchendo o Céu de alegria.


Nisso Ariano responde:

— Senhor, eu me sinto honrado,

Porém escrever uma obra

É serviço demorado.

Às vezes gasto dez anos

Para obter resultado.


Nisso Jesus gargalhou

E disse: — Fique à vontade

Tempo aqui não é problema,

Estamos na eternidade

E você pode criar

Na maior tranquilidade.


Um homem bem pequenino

Com Abdias de lado

E Waldick Soriano,

Com um vozeirão impostado,

Cantou “Torturas de Amor”,

Como sempre apaixonado.


Veio então Silvio Romero

Com Catulo da Paixão,

Suassuna enxugou

As lágrimas de emoção

E Catulo, com seu pinho,

Cantou “Luar do Sertão”.


Leandro Gomes de Barros

Junto a Leonardo Mota,

Chegou Juvenal Galeno,

Otacílio Patriota.

Até Rui Barbosa veio

Com título de poliglota.


Chegou Regina Dourado,

Tocada de emoção,

Juntinho de Ariano,

Veio e beijou sua mão

E disse: — Na sua peça

Quero participação.


Ariano dedicou-se

Àquele projeto novo.

Ao concluir sua peça,

Jesus deu o seu aprovo

E a peça foi encenada

Finalmente para o povo.


Na peça de Ariano

Só participa alma pura.

Ariano virou santo,

Corrigiu sua postura.

Lá no Céu ganhou o título

Padroeiro da cultura.


Os artistas que por ele

Já nutriam grande encanto

Agora estando em apuros,

Residindo em qualquer canto,

Lembra de Santo Ariano

E acende vela pro santo.


Ariano foi Quixote

Que lutou de alma pura.

Contra a arte descartável

Vestiu a sua armadura

Em qualquer dia do ano

Eu digo: viva Ariano

Padroeiro da Cultura!



Autores: Klévisson Viana e Bule-Bule

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