Diante da angústia de receber o diagnóstico fatal de DNM (doença dos Neurônios Motores), confrontando esta dura realidade com toda crença e fé ensinada e cultivava ao longo de 40 anos, inevitavelmente surge a comparação com todos que me rodeiam — sentir-se injustiçado faz parte da condição humana.
Os dias vão passando e um certo dia conversando com minha filha — 17 anos, uma jovem desprendida de dogmas religiosos —, ela fez a seguinte analogia: “Imaginemos a humanidade como a produção em massa de IPhones, um exemplo de altíssimo padrão de qualidade na produção, criando produtos genuinamente semelhantes, mesmo assim um pequeno percentual apresenta defeitos que não são solucionados pelo seu criador, sendo necessário à troca por outro aparelho e o descarte do defeituoso.”
Confesso que com o passar dos meses e anos vivendo esta triste realidade, essa conversa com minha filha tem “martelado” meus pensamentos, essa maneira desapegada e simplista de ver à vida, surge esporadicamente, não quero com este desabafo questionar ou abalar a fé de ninguém, sigo angustiado, abalado e distante das pessoas que cultivam um tipo de fé que aprendi classificar como: “FÉ TANTO FAZ” — se der certo, bem, se não der certo, amém. A forma equivocada com que fui apresentado a vida levou — por muito tempo — a me sentir merecedor de alguns tantos anos de vida plena e com problemas solucionáveis, a vida tem mostrado — de forma dolorosa — que as coisas não acontecem dessa maneira simples e linear. Nunca pensei no IPhone com defeito de fábrica — doença crônica. Quem está preparado para viver a realidade do iPhone descartado?
Hoje por esse Mundo afora existe um grande número de pessoas com ELA e outras doenças terríveis que trazem esse sentimento de descartado. Sem acesso à ineficiente Assistência Técnica oferecida pela medicina.
O que desejamos é estar no grupo dos iPhones que duram uma vida toda sem defeitos insolucionáveis, mas infelizmente não sabemos o porquê e para quê estamos no grupo dos sem solução, a cada dia uma nova luta mental: continuar acreditando na garantia de fábrica garantida pelo Criador? Ou acreditar que a assistência técnica autorizada — medicina — descobrirá uma solução?
Não existe um SAC para nos ajudar!
SAC: serviço de assistência ao consumidor.
Marcelo F Carmo