Todo mundo arruma ou é — para ti — arrumado um jeito de não viver a vida de forma plena. De forma involuntária ou voluntária nos enrolamos nos intempéries da vida e — mesmo sem perceber — deixamos de viver. Às vezes é amor, outras desamor — ódio —, doenças, falta ou excesso de dinheiro, desejos incontroláveis, busca excessiva de ser o melhor ou o mais visto em, quase, todos os aspectos humanos.
Eu deixei de viver — plenamente — por déficit progressivo dos neurônios motores — à alma dos movimentos do corpo humano —, mas tenho visto, ou melhor, ouvido problemas alheios e acho que a vida é tão recheada de armadilhas — invisíveis e indizíveis — que minha situação não é nem de perto um dos fatores determinantes de estar vivo sem viver. O que tenho observado é, tem muita gente com seus fatores genéticos em dia, mas que mesmo assim, tem vivido uma vida medíocre — sendo otimista — como à minha ou até mais sofrida — física e mentalmente. Pois o leque de possibilidades é grande, vou pontuar alguns que tenho ouvido aqui do meu calabouço:
mãe com boa saúde e filhos saudáveis que gasta quase todo o seu tempo útil gritando e ameaçando seus filhos por eles se comportarem como crianças!
mãe que abandona os filhos — pra agradar-se e agradar quem não importa — e quando um deles sai do prumo, deixa — parcialmente — de ser tão egoista e começa correr atrás do leite derramado, mas quem de verdade está vivo sem viver é o jovem filho.
ego inflado que vive — ou pensa que vive — para postar fotografias felizes em redes sociais ou repostar histórias alheias.
jovens que buscam uma substância qualquer pra trazer alívio e prazer à vida, e perdem o controle, e a vida que já era ruim, mostra-se ainda pior.
fanatismo religioso e falso otimismo, uma hora a conta não fecha.
jovem despedaçado há 15 anos, sobrevivendo por força do acaso — regente da vida humana — inúmeras sequelas físicas e mentais, leva uma vida medíocre e ainda segue iludido com fanatismo religioso e à falsa sensação de ser um ser especial, repetindo esse blá-blá-blá do cristianismo da prosperidade.Como assim?
Agente de segurança pública que, vai além da conta em suas funções e quando acorda pra vida, vê se envolvido em ações de extermínio de pessoas ditas suspeitas, 100 anos de prisão — mesmo que se cumpra 30 no máximo — a instituição segue inabalável e o ex-GCM segue individualmente pagando o pato — sozinho — com o preço de sua não vida.
piloto de Fórmula 1 que se acidentou esquiando nos Alpes Europeus, era só o maior piloto da Fórmula 1 de todos os tempos, mas o tempo de inatividade física — doenças ou resultados de acidentes — apaga qualquer um, não importando ser famoso ou anônimo, segue vivo e importante para o pequeno universo que verdadeiramente sempre o amou.
Às formas de não viver estando vivo estão no cardápio, só basta estar semivivo para ser cadastrado, o que tem de consolo é aproveitar enquanto à roda da vida está girando a seu favor e dos seus. À instabilidade é a condição natural de seres perecíveis como nós. As razões para chorar — enquanto houver vida — não acabarão.
“É difícil morrer com vida,
é difícil entender a vida,
não amar a vida, impossível.
Infinita vida que para continuar desaparece
e toma outra forma e rebrota.”
— Adélia Prado
Marcelo F Carmo